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A Problemática do Direito Constitucional Comparado*

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Coordenador do Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) da PUC Minas - Unidade Contagem. Coordenador do PROCON da Prefeitura de Belo Horizonte entre 2001 e 2004. Procurador-Geral da Câmara Municipal de Belo Horizonte entre 2005 e 2006. Vice-Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Coordenador de Direito Constitucional da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Professor de Legislação e Ética no Curso de Publicidade e Propaganda do UNI-BH. Professor de Direito do Consumidor na Pós-Graduação em Marketing no UNI-BH. Membro da Associación Americana de Juristas. Advogado Militante, sócio do escritório Burgarelli, Compart, Costa e Neves Advogados Associados.

Antes de propriamente continuar o estudo proposto, é importante salientar alguns aspectos do estudo do Direito Constitucional Comparado.

No Brasil, diferentemente de países como a Itália e a França, basicamente não existem estudos sobre o Direito Comparado; além disso, grande é a confusão que se faz entre este e o Direito Estrangeiro.

AMÍLCAR DE CASTRO faz clara distinção entre os dois, colocando que o Direito Comparado é multidisciplinar, não possuindo o Direito Estrangeiro autonomia em relação àquele. O Direito comparado analisa muito além da doutrina; busca-se análise dos Tribunais, da jurisprudência.

GIUSEPPE DE VERGOTTINI¹ questiona: Qual é o objeto do Direito Comparado? Para ele, não existe este objeto, pois o Direito Comparado analisa vários aspectos num amplo campo. Para este autor, o Direito Comparado está muito ligado ao Direito Comunitário Europeu.

Mesmo com tamanha dificuldade, pode-se traçar objetivos do Direito Constitucional Comparado.

A dimensão universal que tem adquirido os problemas políticos, compreendendo de certa forma todas as nações em uma só história, fez com que as questões de Direito Constitucional Comparado deixassem de ter um domínio reservado de alguns especialistas para se converter em um saber cultural humano.

O mundo atualmente passa por um processo de massificação da cultura, da informação e da economia. Entende-se por massificação da cultura a imposição dos costumes europeus e norte-americanos ao resto do mundo; por massificação da informação, a Internet e a CNN; por massificação da economia, a formação de grandes blocos econômicos que repartem entre si o Globo Terrestre. A esse processo dá-se o nome de globalização.

Deve-se entender que existem dois pólos neste processo: O pólo ativo ou centralizador, e o pólo passivo ou periférico.

No pólo ativo encontram-se os países que ditam a cultura mundial, controlam a informação e o mercado econômico. São os países capitalistas desenvolvidos, notadamente a União Européia e os Estados Unidos.

No pólo passivo encontram-se os países que têm suas culturas locais esmagadas, informação distorcida e dominação econômica. São os chamados países subdesenvolvidos economicamente, notadamente localizados na América Latina, África e Sudeste Asiático.

O Brasil, como parte da América Latina, coloca-se, diante da modernidade ditada pelos países centrais, na periferia, servindo para atender os interesses desses países.

Temos hoje o privilégio de vivermos uma época de profundas e intensas transformações, que vêm ocorrendo basicamente desde 1989. Não seria errado afirmar que o mundo sofreu mais transformações nos últimos anos do que nas últimas três décadas.

Com o fim da guerra fria (e o conseqüente "alívio" das tensões que a acompanhavam), percebem-se várias conseqüências. Por um lado, nota-se o aumento da cooperação internacional, exemplificada com a formação dos Grandes Blocos Econômicos. Por outro, assiste-se à dilaceração de muitos países, decorrente de uma grande instabilidade política, do ressurgimento do nacionalismo, da violência gerada pela xenofobia, racismo e da violência religiosa. Se antes se podiam justificar os conflitos por uma bipolarização ideológica, hoje há uma diversidade e complexidade de causas. A recessão econômica alargou as diferenças entre os países ricos e pobres (no plano externo) e entre os diferentes setores da sociedades (no plano interno). O desemprego e a pobreza extrema crescem a ritmo alarmante.

A partir de 1990 agrava-se o desemprego em todos os países do mundo. O mais grave dessa situação global é que mesmo os especialistas que têm convicção numa onda de crescimento econômico percebem que haverá o surgimento de poucos empregos, que não atenuarão a situação.

Essa nova onda de crescimento econômico será uma tragédia se reinar o princípio do mercado, que utilizaria esses avanços para o enriquecimento de uma minoria. Mas seria uma bênção se esse potencial produtivo fosse colocado a serviço da humanidade.

A globalização da economia faz-se acompanhar do incremento do protecionismo nos países centrais e das iniciativas, de tantos países, de formação de blocos econômicos e esquemas de integração regional e subregional, reveladoras da debilitação do Estado e de sua vulnerabilidade e insuficiência ante as exigências crescentes de competitividade no mercado internacional. A atual opção de vários países por modelos de economia de livre mercado tem-se feito acompanhar de crescente negligência do poder público quanto à vigência e garantia dos direitos econômicos e sociais. A globalização dos mercados, por sua vez, gera padrões de consumo insustentáveis (se não desastrosos) nas sociedades menos desenvolvidas economicamente. A degradação do meio ambiente e o excesso de população, somam-se a todos esses fatores, que geram grandes movimentos migratórios, atribuídos a uma diversidade de causas (políticas, econômicas, sociais), inclusive violações sistemáticas dos direitos humanos.

Desaparecem os velhos parâmetros ou pontos de referência próprios da guerra fria, marcada pela perversidade da "lógica" - ou desesperada falta de lógica - do chamado "equilíbrio do terror", mas nem por isso o mundo se torna mais seguro. Os novos conflitos internos levam, em casos extremos, à fragmentação ou desintegração do próprio Estado.

É sob essa nova perspectiva que se constrói o Direito Constitucional Comparado.

Neste novo mundo o jurista, assim como o sociólogo e o político, precisam ter a consciência da variedade na própria unidade. Na mesma medida em que os meios de comunicação e transporte tem se aproximado dos homens, esses estudiosos precisam se aproximar de um conhecimento de suas variedades e analogias em todos os ordenamentos, intrínsecos nas estruturas políticas.

Essa dimensão humana universal forma parte hoje de uma educação enquanto atualmente é concebida como a incorporação a um patrimônio cultural humano, em que a estrutura política do mundo contemporâneo é um dado relevante.

Esse propósito, assim enunciado, pode parecer uma renúncia aos objetivos científicos tradicionalmente compreendidos no estudos de Direito Constitucional Comparado, para substituirmos para um simples propósito de informação formativa. Para evitar que alguém, imbuído de boa fé, incorra nesse erro, é importante advertir que a metodologia tradicional deve e pode ser aproveitada nessa nova perspectiva. Então o que se quer dizer em destacar esse novo propósito é que o Direito Comparado deixa de ser puro método (isto é, uma via para construir modelos, analisar perfis essenciais de um regime ou destacar em um contraste as singularidades de uma organização constitucional) para ter uma nova missão própria. Como destaca SANCHES AGESTA², "esta missão se inicia em informarmos das analogias e variedades da organização política dos diversos povos e do perfil do processo histórico em que estão compreendidos, para ajudar a formar nossa consciência do mundo contemporâneo e entender os reflexos de cada povo na unidade da história política mundial".

Em outras palavras, o jurista precisa estar situado ante as possibilidades políticas do mundo. Para compreender o mundo que nos cerca não basta apenas conhecer a história das relações internacionais ou a ordem jurídica da comunidade internacional, mas sim é necessária uma visão das tendências ideológicas e das estruturas constitucionais nas quais os diversos povos se governam.

Nesta direção aponta WILSON ACCIOLI³, que afirma:

"Com a vertiginosa multiplicação e crescente complexidade dos problemas políticos e jurídicos atuais, torna-se cada vez mais importante o estudo do Direito Constitucional Comparado, que não se erige, modernamente, no senhorio reservado dos especialistas, mas se transformou no que se poderia denominar saber natural da humanidade".

Existem soluções possíveis e viáveis dentro do Direito par se buscar uma harmonia razoável entre os povos, para que estes, com suas diferenças, possam concretamente construir uma convivência razoavelmente pacífica.


* Texto extraído de monografia "Federalismo Belga: A Busca da Superação da Intolerância", para fins de aprovação em disciplina do curso de mestrado da Faculdade de Direito da UFMG, Março de 1999.

² SANCHEZ AGESTA, Luis. Curso de Derecho Constitucional Comparado. 5ª ed., revisada. Universidad de Madrid - Facultad de Derecho - Seccion de Publicaciones. Madrid. 1974.

³ Conferência pronunciada no Seminário Sobre a Reforma da Constituição Federal de 1988, promovido pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais e pela Escola Judicial Des. Edésio Fernandes, do TJMG, em Belo Horizonte (1/5/95).

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