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A Súmula Vinculante e a Realidade Constitucional Brasileira

Sem dúvida alguma, dentro dos diversos pontos da pauta da chamada "reforma do Judiciário", a questão referente à Súmula Vinculante encontra destaque especial, seja pela polêmica em torno do tema, seja pelo total desconhecimento e fundamentação sobre este debate.

Um dos principais argumentos favoráveis à implementação da Súmula Vinculante está ligado à celeridade, principalmente no que se refere à Administração Pública. Sem dúvida, este é um discurso fácil, mas muito problemático. Muitas vezes se prega uma agilidade, mas se descuida em muito da eficiência e da verdadeira obtenção de justiça. Os julgados tornam verdadeiras estatísticas, sem se apreciar de fato a qualidade dos mesmos. Somando-se a esta tendência, a questão da Súmula Vinculante ganha importância ímpar.

Note-se que o instituto proposto tem como base o chamado "stare decisis et quieta muovere", típico do direito anglo-saxônico. Como bem aponta o prof. Ronaldo Rebello de Britto Poletti, em um de seus artigos, "no Common Law o vínculo aos precedentes se dá em função da ratio decidendi, vale dizer dos fundamentos da decisão e não de sua mera conclusão." Ora, a súmula se refere a um resumo em torno de um assunto do qual se tem um posicionamento similar. Portanto, obviamente é contraditória a utilização de uma vinculação em torno de uma súmula, pois o que vincula são os fundamentos da decisão, e não simplesmente um resumo da conclusão.

Já por esse argumento percebe-se quão infundada é a discussão sobre a "súmula vinculante". Mais uma vez tem-se a péssima mania de se implementar um modelo típico de Common Law em um sistema romano-germânico sem conhecer suas estruturas. É verdade que o nosso Direito Constitucional Positivo, desde 1891 (com a primeira constituição republicana), vem simplesmente copiando institutos norte-americanos, dentre eles a Suprema Corte (no nosso caso, STF) e o sistema de controle de constitucionalidade difuso, que depois de 1988 incorpora também o concentrado (de origem austríaca, portanto de matriz romano-germânica). Nem por isso, pode-se conceber a continuidade destas "importações" sem discussão. Esses institutos não podem ser simplesmente impostos desconsiderando-se a realidade jurídica nacional. E justamente no controle de constitucionalidade é que se percebe a total ineficácia de uma possível "vinculação". E isso é facilmente comprovável, dentro de nossa própria realidade.

Segundo o artigo 102, §2º da Constituição da República de 1988, "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo." (grifei). Supostamente, as decisões acerca de Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADECON) possuiriam o chamado "efeito vinculante". Mas na prática, ele efetivamente não ocorrerá. Se temos junto à ADECON (instituto do controle concentrado) o controle difuso, e somado a este o princípio da Independência dos Juízes consagrados no artigo 5º da CR/88, certamente que um juiz singular, capacitado a dar uma decisão acerca da constitucionalidade, pode dar uma decisão que fuja daquela proferida na ADECON. Portanto, a vinculação proposta somente criará tal efeito nas decisões do próprio STF.

Isso prova que o debate é muito mais amplo do que o proposto. Não basta criar a "súmula vinculante"; tem que se discutir se de fato enquadra-se em nossa realidade e mais do que isso, se é necessária uma reformulação inclusive de todo nosso controle atual de constitucionalidade.

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