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Da Necessidade de um Consumo Consciente e Sustentável

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Coordenador do Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) da PUC Minas - Unidade Contagem. Coordenador do PROCON da Prefeitura de Belo Horizonte entre 2001 e 2004. Procurador-Geral da Câmara Municipal de Belo Horizonte entre 2005 e 2006. Vice-Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Coordenador de Direito Constitucional da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Professor de Legislação e Ética no Curso de Publicidade e Propaganda do UNI-BH. Professor de Direito do Consumidor na Pós-Graduação em Marketing no UNI-BH. Membro da Associación Americana de Juristas. Advogado Militante, sócio do escritório Burgarelli, Compart, Costa e Neves Advogados Associados.

O Direito do Consumidor no Brasil teve efetivamente seu maior impulso a partir da promulgação da Constituição da República de 1988, levando inclusive à feitura do atual Código de Defesa do Consumidor, promulgado em 1990 e que entrou em vigor em 1991.

A aplicação do Direito do Consumidor deve levar em consideração portanto o fato deste ser tipicamente um direito difuso e, portanto, voltado à construção da cidadania.

O que se percebe de uma forma muito constante é o reducionismo do cidadão em mero consumidor, podendo ser analisado apenas no momento da relação consumerista, numa visão que destrói inclusive a pluralidade humana. O caminho deve ser exatamente o oposto.

Deve-se fazer é uma construção cidadã do consumidor, isto é, toda uma teoria em que o consumidor se torne cidadão em sua luta diária na tensão que de fato existe, que é o conflito capital-trabalho, presente efetivamente no fenômeno de consumo, em que se tem o capitalista buscando a obtenção do lucro e o consumidor obter o mínimo de satisfação.

No momento em que logo no artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se coloca que deverá obedecer a uma "ordem pública e interesse social", abstrai-se que deve ocorrer uma permanente articulação entre Estado e sociedade para a construção do Direito do Consumidor. Ora, tal articulação é característica eminente do Estado Democrático de Direito. A partir disso, deve-se entender que toda a interpretação da norma consumerista deve seguir esta lógica, dentro de uma efetivação de cidadania.

Nessa lógica começa-se a perceber uma questão chave. Efetivamente, o simples conhecimento do CDC não se faz suficiente na construção de uma cidadania plena. Até porque uma pessoa conhecedora de seus direitos não estará totalmente imune de um problema muito maior que se coloca: O bem consumir.

Aqui se destacam dois aspectos básicos: A análise do consumismo e a busca do consumo sustentável.

Sobre o primeiro ponto, percebe-se na Publicidade um imenso jogo de sedução sobre os consumidores e consumidoras. Algo que seria natural, pois é da essência da Publicidade, se não fosse o apelo sistemático ao consumir.

O professor Daury César Fabriz, em sua obra "A Estética do Direito" (Del Rey, 1999) afirma que "a utilização dos modernos meios de multicomunicação vem criando discursos que originam-se no espaço cibernético, onde as relações ocorrem no abstrato, abrindo-se novas categorias de sensibilidade, sempre reanimando os nossos desejos concretos e contínuos, abrindo espaço para novos conceitos de linguagem. Os simulacros criados pela mídia, em suas multi-faces, põem em jogo toda e qualquer possibilidade de subjetivação das nossas ações cotidianas, instalando-se a partir dos ambientes-meios a ditadura midiática."

Para ilustrar essa fala, o referido autor menciona uma passagem do livro "Crítica Estética da Mercadoria" (UNESP, 1997), de Wolfgang Fritz Haug, que ao tratar da práxis coletiva da indústria da ilusão do capitalismo, comenta sobre um cartão postal de Veneza que traz uma foto da Praça de São Marco ocupada apenas por pombos que se apresentavam de forma organizada em caracteres gigantescos a palavra "Coca-Cola", imitando inclusive o design da marca devidamente registrada. Os pombos certamente estão lá porque alguém espalhou comida para que os mesmos formassem a logomarca e, segundo Haug, ao incorporarem a comida, "eles são subordinados ao capital e incorporados a ele". Como bem comenta Fabriz, "vê-se, nesse exemplo, o gigantesco poder de simulação que as forças capitalistas detêm, utilizando o conhecimento, a 'razão' e a criatividade, como forma de manipulação de nossos desejos e sensibilidades, transformando o mundo real numa fantasia atordoante."

Ainda nesse sentido tem-se o psicanalista francês Charles Melman, autor do livro "O Homem sem Gravidade, Gozar a Qualquer Preço" (Ed. Companhia de Freud), que afirma, em entrevista concedida à revista Isto É, de 22 de setembro de 2004, que "os publicitários são muito inteligentes. Precisam transformar o objeto de necessidade em objeto de desejo. Sabem que podemos nos desinteressar do objeto de necessidade rapidamente, mas o desejo é permanente. Quer dizer, quando a publicidade quer vender um iogurte é preciso apresenta-lo como um produto estranho, enigmático. A publicidade tem um papel pedagógico, que vai no sentido da liberalização dos costumes. E as crianças são muito sensíveis às suas mensagens."

Aliás, sobre essa última afirmação de Melman, tem-se uma medida tomada pelo CONAR (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária) que fez mudanças em meados de 2006 em seu Código justamente dando maior ênfase aos cuidados que a publicidade deve ter quando dirigida a crianças.

Através de publicidade enganosa (aquela que induz o consumidor ao erro, seja por uma informação mentirosa ou a ausência de uma informação essencial) ou da abusiva (aquela que sugere ao consumidor uma postura preconceituosa, extremamente erotizada, violenta, ou aproveita-se da inocência ou crença do consumidor, dentre outros exemplos) essa tem avançado sobre cada um de nós com mensagens cada vez mais ágeis e agressivas, impondo um comportamento e um padrão de sociedade em tudo começa a ser mais e mais descartável. Financeiras, bancos e cartões de crédito facilitam a obtenção de recursos aos consumidores cada vez mais impondo taxas astronômicas de juros aos mesmos. E o pior: Sempre nos esquecemos de que o Consumismo apresenta-se também como doença e, como tal, deve ser tratada e corrigida, inclusive se coibindo os mecanismos que a agravam.

Falando de consumo sustentável obviamente tem conexão direta com o consumismo. Num mundo em que os recursos naturais vão se tornando escassos, a economia e o racionamento no uso dos mesmos é fundamental. Um planejamento governamental e da sociedade em torno de uma postura mais racional do uso de serviços básicos como transportes, água, esgoto e energia sem dúvida trarão a médio e longo prazo impacto na vida de todos, inclusive retardando possíveis impactos econômicos que afetem em muito os consumidores.

Portanto, esses pontos se fazem importantes numa consecução permanente da cidadania plena, que tem na defesa do consumidor importante aliado.

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