Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Coordenador do Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) da PUC Minas - Unidade Contagem. Coordenador do PROCON da Prefeitura de Belo Horizonte entre 2001 e 2004. Procurador-Geral da Câmara Municipal de Belo Horizonte entre 2005 e 2006. Vice-Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Coordenador de Direito Constitucional da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Professor de Legislação e Ética no Curso de Publicidade e Propaganda do UNI-BH. Professor de Direito do Consumidor na Pós-Graduação em Marketing no UNI-BH. Membro da Associación Americana de Juristas. Advogado Militante, sócio do escritório Burgarelli, Compart, Costa e Neves Advogados Associados.
O Governo pode ser definido como a condução política geral dada à gestão do Estado. Este primeiro conceito na verdade traz uma série de reflexões que merecem uma melhor análise.
"A palavra governo é plurissignificativa: (1) é o complexo organizatório do Estado (conjunto de órgãos) ao qual é reconhecida competência de direção política (ex.: forma de governo); (2) conjunto de todos os órgãos que desempenham tarefas e funções não enquadráveis no 'poder legislativo' e no 'poder jurisdicional' (ex.: 'poder executivo'); (3) órgão constitucional de soberania com competência para a condução da política geral do país e superintendente na administração pública." (CANOTILHO, 1999, pág. 594).
Mesmo com esta diversidade apontada, percebe-se que há um razoável problema a ser solucionado: A relação entre Governo e Estado, e até que ponto há algum entrelaçamento entre ambos institutos.
Não se tem aqui tarefa simples. Konrad Hesse, ao analisar a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha e em especial o Executivo, coloca que "Execução, no sentido da Lei Fundamental é, uma vez, a função do governo como um elemento essencial da ordem democrática. No Direito Constitucional alemão, essa função foi realçada somente em época recente de novo como uma especial. Ela é - de outra forma como o conceito anglo-saxão do government, que indica o todo da eficiência do Estado - , entendida em um sentido restrito, como condução do Estado politica, como direção responsável do todo da política interna e externa, à qual pertence também, em particular, o comando do processo econômico. Nisso, unido com a tarefa da legislação, falta ao governo, contudo, o elemento da normalização racionalizadora, estabilizadora, delineada a longo prazo. Em suas tarefas de decisão criadora, iniciativas políticas, direção sintética do todo estatal e controle dirigente das atividades executivas, procura a Constituição, em medida especial, trazer à eficácia o elemento da atividade e dinâmica, e é, por isso, não só conexão fática, senão uma jurídico-constitucionalmente querida, quando o exercício da função do governo, no apoio e exercício de influência, como no controle e crítica, une-se estreitamente com a atividade dos partidos políticos." (HESSE, 1998, págs. 397/398).
Este parece ser o melhor eixo para a definição pretendida, pois a realidade contemporânea do Estado, com toda a complexidade de gestão do mesmo, não há como se aceitar que Governo se limite às pessoas e ideologias que conduzem o mesmo. Toda a estrutura estatal, concebida a partir da realidade constitucional, vem compor também este conceito.
Por mais que se tenha a condução do Estado por diferentes forças políticas, não há como desconsiderar que a realidade das instituições existentes. Somente em casos excepcionais pode-se admitir algo diferente, como bem aponta Lucio Levi que "quando as instituições estão em crise, o Governo tem caráter carismático e sua eficácia depende do prestígio, do ascendente e das qualidades pessoais do chefe do Governo." (LEVI, 2002, pág. 553). Nesse caso, pode inclusive ocorrer o menosprezo total à própria ordem constitucional formal. Mas mesmo aqui surge a necessidade de se criar nova ordem formal para traçar a condução do Governo (LASSALLE, 2001, pág. 33).
Essa identidade entre Governo e Estado sem dúvida ganha maior relevância com o advento do Constitucionalismo moderno no século XVIII, quando o Liberalismo e o Iluminismo enxergam na realidade constitucional a possibilidade de se fazer a condução da gestão do Estado através da norma jurídica, em contraponto ao Estado Absolutista que se buscava superar. Com isso, não só se criam princípios de Organização do Estado básicos a serem seguidos, mas também Direitos e Garantias Fundamentais que protegem a pessoa humana contra a opressão estatal e que viram diretivas à questão governamental.
Mesmo Estados que não seguem o Liberalismo como referência ideológica (ou até mesmo aqueles que fazem profundo contraponto, como os modelos Socialistas) passam a adotar constituições que possuem esses dois eixos, que servirão de condução do Governo que se instala.
Com esta identidade entre Governo e Estado, "para a maior parte dos autores, forma de governo e regime político são expressões sinônimas". (DALLARI, 2000, pág. 223). De fato, estudar simplesmente a clássica divisão de formas de Governo entre Monarquia e República sem considerar outros elementos como Democracia e Autoritarismo, dentre outros, pode levar a falsa compreensão sobre a real possibilidade de atuação governamental.
Quintão Soares, neste sentido, afirma que "a forma de governo pretende compreender as diversas maneiras de organização do poder político, tendo como objeto a estrutura de poder existente em determinado tipo de Estado, bem como as complexas relações entre os vários órgãos nos quais se manifesta o exercício do poder estatal." (SOARES, 2008, pág. 331).
O fato é que realmente há "confusão quanto ao emprego das expressões forma de Governo e formas de Estado. O vocabulário político alemão denomina forma de Estado (Staatsformen) aquilo que os franceses conhecem sob a designação de fomas de Governo (...)". (BONAVIDES, 2001, pág. 192). Entretanto, vale mais uma vez ressaltar que o eixo fundamental é entender o Governo como toda a articulação entre as instituições estatais e a condução política a ser dada por aqueles que se colocam à frente do Estado em seu dia a dia.
Essa compreensão é fundamental. O poder do Estado não é "apenas uma realidade de poder político, mas igualmente um 'poder político juridicamente organizado' e configurado como um sistema de competências jurídicas." (ZIPPELIUS, 1997, pág. 203).O Direito, como sistema de organização da vida social, é uma realidade da qual ninguém pode se furtar (KNEIPP, 2002, pág. 73), muito menos uma gestão governamental que pretende respeitar as bases da vontade da sociedade expressada em uma Constituição.
Portanto, é importante estabelecer mecanismos de controle na condução do Governo, notadamente de fiscalização e atuação responsável da Oposição ao mesmo. "Para além da velha antítese entre bom governo e mau governo, revela-se uma nova antítese, talvez ainda mais dramática, entre governo e não-governo (...)." (BOBBIO, 1999, pág. 214).
Um mau governo pode ser corrigido pelas regras bem construídas de uma Constituição e de seu sistema jurídico; a ausência de governo pode significar algo muito grave, como a completa paralisia do Estado e pode levar a um colapso da própria sociedade, tamanha a inter relação entre esses elementos, pois em rápida análise pode-se afirmar que o Governo é um dos principais responsáveis pela boa condução do Estado e, por consequencia, da própria Sociedade.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. 6a. Tiragem. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999, 717 páginas.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10a. Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, 498 páginas.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a. Edição. Coimbra: Almedina, 1999, 1414 páginas.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21a. Edição, atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, 307 páginas.
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha (Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundersrepublik Deutschland). Tradução (da 20a. Edição Alemã) de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, 576 páginas.
KNEIPP, Bruno Burgarelli Albergaria. A Pluralidade de Partidos Políticos (Incluindo comentários sobre a última resolução do TSE acerca da verticalização). Belo Horizonte: Del Rey, 2002, 106 páginas.
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6a. Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, 40 páginas.
LEVI, Lucio. Governo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Volume 1. 12a. Edição. Brasília: Editora UnB, 2002, 666 páginas.
SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado - Novos Paradigmas em face da Globalização. 3a. Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2008, 387 páginas.
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho. 3a. Edição. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1997, 599 páginas.