Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Coordenador do Serviço de Assistência Judiciária (SAJ) da PUC Minas - Unidade Contagem. Coordenador do PROCON da Prefeitura de Belo Horizonte entre 2001 e 2004. Procurador-Geral da Câmara Municipal de Belo Horizonte entre 2005 e 2006. Vice-Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG. Coordenador de Direito Constitucional da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Professor de Legislação e Ética no Curso de Publicidade e Propaganda do UNI-BH. Professor de Direito do Consumidor na Pós-Graduação em Marketing no UNI-BH. Membro da Associación Americana de Juristas. Advogado Militante, sócio do escritório Burgarelli, Compart, Costa e Neves Advogados Associados.
O mundo moderno traz sem dúvida alguma uma série de contradições internas. Tem-se guerras de etnias, como na África (algo perfeitamente possível, pois as fronteiras deste continente foram construídas artificialmente por potências européias), e ao mesmo tempo assisti -se o processo de unidade da Europa Ocidental. A informação se torna cada vez mais ágil e uniformizada (afinal de contas, tem-se a imposição da mesma por parte da CNN).
O que interessa analisar inicialmente é este último fenômeno, ligado ao tema da Globalização. Mas afinal, o que é isso?
JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES afirma que "o termo globalização tem sua origem na literatura destinada às firmas multinacionais, designando inicialmente um fenômeno limitado a uma mundialização da demanda se enriquecendo com o tempo até o ponto de ser identificada atualmente a uma nova fase da economia mundial."¹
Essa nova fase mencionada acima constitui-se do Neoliberalismo e, apurando-se ainda mais o estudo realizado por QUADROS DE MAGALHÃES, depreende-se a idéia de que a Globalização seria um instrumento na implementação deste paradigma. Então se depara com uma nova pergunta: no que constitui o Paradigma do Estado Neoliberal?
Num primeiro instante, pode-se achar que seria uma simples retomada do antigo modelo Liberal, no qual não se tem a participação estatal, excetuando-se a questão da segurança. Mas este fato não passa de uma falsa afirmação. Na verdade, o Neoliberalismo apresenta-se muito mais complexo.
Deve-se enxergar este fenômeno de modo universal. Não se tem mais hoje a divisão entre países capitalistas e socialistas (muito embora persista a brava resistência de algumas nações no modelo esquerdista). Atualmente, a divisão é bem mais perversa, entre ricos e pobres, mais especificamente, entre os países centrais (América Anglo-Saxônica, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia) e países periféricos (América Latina, Europa Oriental, a quase totalidade da Ásia, África e pequenos países da Oceania).
A partir da divisão colocada, tem-se a seguinte percepção do Neoliberalismo: Enquanto os países centrais aplicam políticas protecionistas com relação ao mercado interno, os países periféricos são forçados pelos centrais a abrirem sua economia. É simples a lógica; indústrias do Primeiro Mundo, a procura de mais lucro, migram para os países pobres, onde encontrarão condições trabalhistas muito piores que em suas nações de origem, com maior exploração do trabalhador. Além disso, uma série de benefícios tributários serão oferecidos.
Tem-se a lógica do absurdo: ao mesmo tempo que empregos surgem através das multinacionais, as empresas domésticas sofrem quebras, e o desemprego gerado não é absorvido. Por isso é correto afirmar que o Neoliberalismo encontra-se intimamente relacionado ao desemprego nos países periféricos.
E para piorar, para se implementar o modelo Neoliberal destrói-se as conquistas sociais dos trabalhadores. E mais: no caso brasileiro, uma série de mudanças na Constituição da República de 1988 simplesmente levam ao final de seu paradigma original, que é o do Estado Democrático de Direito.
O Paradigma do Estado Democrático de Direito é muitas vezes decantado, mas muito pouco estudado e aplicado. Qual sua importância para o Direito do Consumidor? Pode-se arriscar a afirmação de que seja de fundamental relevância o seu estudo para uma correta compreensão da teoria consumerista. É o que se pretende rapidamente fazer.
Para se melhor compreender o Paradigma do Estado Democrático de Direito, precisa-se buscar alguns aspectos do Estado Social, de onde se tem a origem daquele.
O Estado Social tem seu marco com a Constituição Mexicana de 1917, muito embora o mundo ocidental (incluindo o Brasil) se utilize da Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919. A característica marcante deste modelo encontra-se no fato do Estado passar a ser um grande interventor nas questões econômicas e sociais, buscando-se amenizar os efeitos do capitalismo. Percebe-se que em nenhum instante o paradigma social pretende superar o capitalismo (como por exemplo propõe o paradigma socialista), muito ao contrário - o que se quer é manter a burguesia como classe dominante, fazendo-se apenas pequenas concessões ao proletariado.
Muito embora tenha se implantado nos Estados Unidos na década de 1930 com o new deal de Franklin Delano Roosevelt, na Europa Ocidental sua implementação efetiva ocorre apenas após o final da Segunda Grande Guerra (na República de Weimar torna-se um fracasso absoluto, inclusive favorecendo a ascensão do Nazismo).
Apesar de alguns movimentos que contestam a sua validade, o Paradigma Social consegue se afirmar nas décadas seguintes. Porém, na década de 1970, sofre sua mais forte crise, que pode ser resumida em três pontos: Uma crise econômica, uma previdenciária e uma crise de identidade cidadão-Estado.
A crise econômica tem seu ponto chave na chamada "Crise do Petróleo". Até os anos 70, o petróleo era comercializado a preços extremamente acessíveis, levando inclusive ao fato de se encontrar como a principal base energética do mundo. Entretanto, conflitos árabe-israelenses levaram a um outro rumo.
Uma forma encontrada de represália pelos países de cultura árabe contra os aliados de Israel (Estados Unidos e Europa Ocidental) foi a intervenção direta no preço do petróleo, que culminou inclusive com a criação da OPEP; como se sabe, aqueles países são grandes exportadores de petróleo e, ao aumentar os preços, causaram sérios impactos à economia ocidental, que é grande importadora deste produto.
O Estado Social é grande investidor na área social e qualquer alteração brusca na economia traz sérias conseqüências, o que de fato ocorreu.
A crise previdenciária, conexa à primeira, demonstra-se bastante interessante.
A população européia pós Segunda Guerra encontra-se bastante debilitada, notoriamente sua força produtiva, no instante que milhões de pessoas, na sua enorme maioria formada por homens em idade produtiva, foram mortas no período anterior. Somando-se a esse fato, os casais europeus optam por terem, após este período, um ou dois filhos.
Ora, se nasceram poucos europeus pós Segunda Guerra, ao chegar na década de 70 estarão aptos ao mercado de forma também reduzida. Somando-se a isso, não se pode contar com uma grande massa de trabalhadores em torno de 40 ou 50 anos, pois eles simplesmente não existem, pois se encontram mortos decorrentes as batalhas da Guerra. Portanto, o número de contribuintes previdenciários (a massa economicamente ativa) encontra-se em número insuficiente para sustentar o sistema, que se encontra, em contrapartida, com grande número de idosos prontos para usufruírem da Previdência.
De certa forma, o problema é atenuado com o incentivo à imigração de trabalhadores africanos e asiáticos das antigas colônias européias (os mesmos que hoje estão sendo rejeitados pela Europa), mas não o suficiente, pois se deve lembrar que existe uma crise econômica instalada.
Por fim, a crise de identidade cidadão-Estado. A insatisfação humana é uma de suas maiores qualidades e defeitos. É pela insatisfação que se chegou a outros continentes, à Lua, a grandes descobertas. E é também o homem insatisfeito que mata e peca. Diferente não seria em relação ao Estado Social.
Teoricamente, o Estado Social é um modelo que tudo concede ao ser humano. Tem-se uma saúde, habitação e educação públicas. Entretanto, não se tem participação efetiva do povo nas esferas estatais. Alguns podem até afirmar: "Ah, mas existe o voto!" Quem afirma assim não sabe o que é democracia.
O voto não é a única arma da construção democrática, talvez nem a melhor, muito menos no Brasil, onde muitas vezes se troca o voto pela parte inferior da dentadura e, caso seja eleito o candidato que presenteou, talvez se consiga a parte superior da mesma. Democracia pressupõe a plenitude do exercício dos direitos políticos, a formação de uma consciência crítica e a real participação na esfera pública (um exemplo desta é a experiência do Orçamento Participativo implementado pelo governo de Patrus Ananias e continuado por Célio de Castro na Prefeitura de Belo Horizonte, no qual a população tem chance de opinar sobre o destino de parte do orçamento municipal). O último destes elementos não aparece de forma concreta no Paradigma Social, o que causa um abismo insuperável e uma contradição que só poderá ser corrigida com o surgimento de um novo modelo, o do Estado Democrático de Direito.
Outro aspecto ausente no Estado Social diz respeito à não proteção de uma série de direitos, conhecidos como Difusos, e a serem consagrados apenas no modelo Democrático de Direito.
Tem-se por Direitos Difusos aqueles direitos pertinentes ao ser humano como um todo, sem se atribuir a um indivíduo ou a uma coletividade uma maior titularidade dos mesmos. Um bom exemplo é o Meio Ambiente. Um dano à natureza não atinge apenas uma pessoa ou um grupo social, mas a todos de forma igual.
O Direito do Consumidor nada mais é do que um direito difuso. A melhor forma de se perceber isso é através de um simples exemplo. Quando um fornecedor coloca no mercado um produto com defeito, qualquer um poderá adquiri-lo, o que quer dizer que todos potencialmente estão expostos ao dano, de forma igual.
O Estado Social não apresenta nenhuma preocupação com os Direitos Difusos. Essa situação faz com que o povo se organize de forma a fazer, por si mesmo, a proteção destes direitos. Isso ocorre com a formação de entidades civis, que aparecem fortes na década de 70, notadamente nos Estados Unidos.
Além disso, mecanismos processuais começam a ser consagrados para facilitar a proteção dos direitos coletivos em juízo, sendo o principal deles a Ação Civil Pública.
Efetivamente, somente o Estado Democrático de Direito consagra constitucionalmente estes pontos, como a participação popular na esfera pública e a proteção dos direitos difusos, sendo a sua grande diferenciação dos demais modelos de Estado. Para melhor entendimento deste Paradigma e sua relação com o Direito do Consumidor, tem-se que destacar dois pontos: a cidadania e o Princípio da Subsidiariedade.
A Cidadania é elemento fundamental para a implantação do Estado Democrático de Direito; sem aquela, não há como falar deste.
Deve-se ter os três pressupostos do conceito de democracia para se ter a efetivação da cidadania.
Com relação à plenitude do exercício dos direitos políticos, percebe-se que não basta o voto em si, mas uma clareza da utilização do mesmo e uma posterior cobrança das propostas apresentadas. Na construção da consciência crítica, apontar os problemas a sociedade, formular opções e participar da execução das mesmas. A participação na esfera pública implica em responsabilidade e equilíbrio na execução das tarefas assumidas, com o compromisso permanente de se fazer o melhor pela sociedade.
Ao se criar o sistema nacional de proteção ao consumidor, e consequentemente, os PROCON´s, o que se quis não foi construir uma estrutura meramente punitiva. O que se deve ter são órgãos que se preocupem com a construção de cidadania, no momento em que os mesmos se encontram na proteção de direitos difusos e por via de conseqüência inseridos no contexto do Paradigma do Estado Democrático de Direito. O maior papel de um PROCON sem dúvida é o investimento na Educação para o Consumo, de forma a auxiliar na formação da opinião crítica das esferas da sociedade, obviamente sem abandonar as demais funções.
Um aspecto em especial cabe uma análise mais destacada acerca do tema em discussão - o Princípio da Subsidiariedade, que teve sua discussão trazida para o Brasil pelo Professor JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO.
GERMAN J. BIDART CAMPOS, citado por BARACHO, afirma que "oriundo da doutrina social da Igreja, no século XX, o princípio de subsidiariedade preconiza que é injusto e ilícito adjudicar a uma sociedade maior o que é capaz de fazer, com eficácia, uma sociedade menor. (...) Trata-se de princípio de justiça, de liberdade, de pluralismo e de distribuição de competências, através do qual o Estado não deve assumir por si as atividades que a iniciativa privada e grupos podem desenvolver por eles próprios, devendo auxiliá-los, estimulá-los e promovê-los."²
Observa-se que a iniciativa privada e os grupos só podem ser auxiliados ou substituídos quando não conseguirem a contento realizar suas tarefas. Além disso, deve-se sempre privilegiar a estrutura política inferior, o nível social inferior, daí a afirmação de que este modelo claramente beneficiaria o Poder Municipal dentro de uma Federação.
Jamais deve-se imaginar que o Princípio da Subsidiariedade propõe o Estado Mínimo. Segundo BARACHO, este princípio "deve ser interpretado como inerente à preservação das individualidades, dentro dos vários grupamentos sociais."³
Na verdade, o que se quer é um equilíbrio entre Poder Central e Local, sendo que neste se dará a formação do indivíduo. Claramente, este princípio está intimamente ligado ao aspecto do pluralismo e a construção da cidadania.
Dentre outros aspectos relacionados ao Princípio da Subsidiariedade, pode-se dizer que consiste na possibilidade da sociedade por si só solucionar suas questões (sendo que a estrutura inicial deve ser fornecida pelo Estado) e, caso isso não ocorra, haverá a intervenção do ente público mais próximo dos problemas da mesma, e assim de forma sucessiva (no caso brasileiro, o primeiro ente seria o Município, e posteriormente o Estado membro e a União, sucessivamente).
O Direito do Consumidor no Brasil aplica-se perfeitamente a este princípio, no instante em que se tem a opção pela municipalização do serviço de atendimento ao consumidor através dos PROCON´s, pois é óbvio que o conhecimento dos problemas locais é teoricamente efetivo na esfera municipal, e não em outra.
Nota-se que a aplicação do Princípio da Subsidiariedade trouxe uma inversão da lógica existente no Estado Social. Se neste a construção das políticas públicas se faz do Estado para a Sociedade, no Paradigma do Estado Democrático de Direito tem-se uma construção a partir da Sociedade. Efetivamente, os PROCON´s deverão atuar no apoio a esta; portanto, outro não será o seu papel.
A aplicação do Direito do Consumidor deve levar em consideração o fato deste ser tipicamente um direito difuso e, portanto, voltado à construção da cidadania.
O que se percebe de uma forma muito constante é o reducionismo do cidadão em mero consumidor, podendo ser analisado apenas no momento da relação consumerista, numa visão que destrói inclusive a pluralidade humana. O caminho deve ser exatamente o oposto.
Deve-se fazer é uma construção cidadã do consumidor, isto é, toda uma teoria em que o consumidor se torne cidadão em sua luta diária na tensão que de fato existe, que é o conflito capital-trabalho, presente efetivamente no fenômeno de consumo, em que se tem o capitalista buscando a obtenção do lucro e o consumidor obter o mínimo de satisfação.
Muito embora haja uma predominância de uma literatura de tendência privatista sobre a matéria aqui no Brasil, outra não pode ser a abordagem acerca do Direito do Consumidor que a publicista. Analisando-se a principal lei que regula a questão, o Código de Defesa do Consumidor (instituído pela Lei n. 8078, de 11 de setembro de 1990), percebe-se este rumo.
Já no seu artigo 1º, o Código assim dispõe:
"art. 1º - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias". (grifos nossos)
Não obstante o erro de técnica legislativa (utilizar a expressão "Constituição Federal", quando o correto é "Constituição da República", pois o instrumento legislativo político de um Estado deve se referir a forma de governo adotada e não ao tipo de Estado), fica evidenciada a natureza pública e constitucional da defesa do consumidor no Brasil.
No momento em que se coloca que deverá obedecer uma "ordem pública e interesse social", abstrai-se que deve ocorrer uma permanente articulação entre Estado e sociedade para a construção do Direito do Consumidor. Ora, tal articulação é característica eminente do Estado Democrático de Direito. A partir disso, deve-se entender que toda a interpretação da norma consumerista deve seguir esta lógica, dentro de uma efetivação de cidadania.
Nessa linha, observa-se a interpretação dos conceitos de consumidor e fornecedor dados no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Segundo o Código, "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º CDC - grifos nossos). Outros conceitos irão ampliar esta definição ao longo do CDC, mas interessa nesse momento analisar o dispositivo anunciado.
Segundo a corrente finalista ou minimalista, o fato de se possuir a expressão "destinatário final" no corpo do texto legal faria com que o conceito de consumidor se resumisse àqueles que adquirem ou utilizam produto ou serviço sem a intenção da revenda ou como insumo . Já a corrente maximalista não entende desta forma. Para os pensadores ligados a esta linha, não haveria qualquer tipo de restrição, podendo qualquer um, seja destinatário final ou não, ser considerado consumidor.
Na verdade, o principal motivo que levou a criação do CDC foi a proteção do consumidor face ao abuso do poder econômico, tendo por objetivo principal o reequilíbrio das relações de consumo, por se tratar do consumidor da parte mais vulnerável da relação, devido a hipossuficiência do mesmo. No instante em que há um desequilíbrio em uma relação, deve-se aplicar o Código, da forma mais ampla possível pois, por se tratar de um direito difuso, possui esta característica, ainda mais no que se refere a efetivação da cidadania.
Da mesma forma deve ser a interpretação do conceito de Fornecedor. Segundo o Código, "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (art. 3º CDC). Para a maioria dos autores de cunho privatista, deve existir a habitualidade no fornecimento, sendo que o fornecedor eventual não poderia ser enquadrado no CDC.
Entretanto, não deve ser este o entendimento. Sendo coerente com a linha apresentada em todo o texto, o que se deve afirmar é que, no instante em que há um desequilíbrio na relação efetivamente se tem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
A questão da vulnerabilidade do consumidor é fato concreto na leitura do Código. Isso inclusive será comprovado na análise de outros pontos interessantes do mesmo.
5.1 Inversão do Ônus da Prova
No Direito, tem-se como regra geral que aquele que alega algo deve comprovar o fato alegado. Entretanto, justamente na tentativa de se reequilibrar a relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade da Inversão do Ônus da Prova segundo os critérios do 6º, VIII.
Nota-se que a inversão só poderá ser requerida em juízo (o que exclui a possibilidade no âmbito administrativo) e devidamente deferida pelo juiz. Muito embora não haja indicação expressa sobre o assunto, entende-se que o momento do pedido da inversão deverá ser na petição inicial, para que não haja prejuízo à formação do contraditório.
5.2 Responsabilidade Solidária e Objetiva
Outros dois mecanismos importantes para se dirimir a hipossuficiência são a responsabilidade solidária e objetiva. A responsabilidade solidária consiste no fato de todos aqueles participantes na cadeia de fornecedores responderem por eventuais danos ao consumidor (CDC arts. 7º, parágrafo único; 18; 20; 25 §1). Somando-se a isso, tem-se a responsabilidade objetiva, que leva à responsabilização do fornecedor independente da existência ou comprovação de culpa (CDC arts. .12 e 14)
Vale destacar uma observação acerca da responsabilidade objetiva. O parágrafo 4º do artigo 14 do CDC coloca que "a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa." Portanto, tem-se dois pontos a partir disso. O primeiro é o de que não se aplica a teoria da responsabilidade objetiva aos profissionais liberais; em segundo lugar, não há a possibilidade da inversão do ônus da prova, pois passa a existir a necessidade da verificação da culpa, que ao nosso entender passa a ser ato do consumidor.
5.3 Princípio da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor consiste na possibilidade de se retirar o "véu" da personalidade jurídica daqueles que a usaram para lubridiar o consumidor.
Esse fato faz com que o consumidor possa executar os bens da pessoa física que eventualmente causou os danos previstos no artigo supra citado, estando aqui mais um mecanismo que visa auxiliar a reparação de dano ao consumidor.
5.4 A Equiparação das Vítimas do Evento aos Consumidores nas Relações de Consumo.
fim, uma rápida análise do artigo 17 do CDC, que traz o seguinte texto:
"art. 17 - Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento".
Um exemplo claro desta questão seria a possibilidade de vítimas terrestres de acidentes aéreos ou seus familiares requererem a reparação dos danos pessoais e materiais utilizando-se do Código de Defesa do Consumidor. Em nenhum instante estas pessoas ingressaram na relação de consumo; entretanto, foram vitimadas por um evento de consumo, que fora o transporte aéreo, que fora um contrato firmado entre o fornecedor do serviço e os passageiros.
Um outro exemplo infelizmente muito costumeiro são as festas de casamento nas quais são oferecidas as famosas "maioneses" que, uma vez ingeridas, causam tormentos intestinais aos convidados que obviamente poderiam invocar o artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor numa eventual reparação.
A existência deste artigo trouxe celeridade a outras relações jurídicas não consumeristas, o que comprova a amplitude da aplicação do Direito do Consumidor, já mencionado anteriormente.
Segundo o Professor ARTHUR JOSÉ ALMEIDA DINIZ, "o Brasil, por sua qualidade excepcional de paciência e uma cultura formada pelo mundo da solidariedade islâmica, o conhecimento natural do indígena e a relação mágica e alegre com o cotidiano, que nos foram presenteados pela cultura africana, tem, em suas raízes ocidentais, a chave para a solução dos grandes problemas que enfrentaremos por algum tempo. Entretanto, a História, a divina mestra, é imprevisível. Compete-nos o doce consolo de exercitarmos a fantasia, riqueza inexaurível de nosso Espírito Imortal".^5
Com essa citação, ARTHUR DINIZ mostra o quanto pode haver um outro lado da globalização, como nossa cultura, genialmente multirracial. Se a globalização nada mais é um instrumento (inclusive existente desde outros tempos, como nas Cruzadas e no Mercantilismo, por exemplo), obviamente pode ser utilizada para outros fins. As mãos, como instrumentos, podem servir tanto para espancar o inimigo quanto para acariciar a pele do ente amado. É assim a globalização.
Por que não utilizar da globalização como instrumento de propagação e afirmação da Defesa do Consumidor e conseqüente construção da cidadania? Ao certo isso é possível, conforme fora demonstrado. Urge então fazer.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio da Subsidiariedade - Conceito e Evolução. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2000.
BRASIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (Lei n. 8078/90)
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988.
DINIZ, Arthur José Almeida. Reflexões Sobre a Nova Ordem Mundial. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Número 34. Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, 1994.
QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz. Direito Constitucional - Tomo I. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000.
¹ Quadros de Magalhães, José Luiz. Direito Constitucional - Tomo I. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000. Pág. 73.
² BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio da Subsidiariedade - Conceito e Evolução. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2000. Pág. 47.
³ BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O Princípio da Subsidiariedade - Conceito e Evolução. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2000. Pág. 46.
^4 Um exemplo de insumo seria o caso de uma padaria que comprasse um trigo para a fabricação de pães, sendo o trigo exatamente este insumo.
^5 DINIZ, Arthur José Almeida. Reflexões Sobre a Nova Ordem Mundial. In: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Número 34. Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, 1994. Pág. 157.